sábado, 25 de outubro de 2014

Eu passei a correr no asfalto
A deitar na areia
A colar meu corpo
a toda e qualquer parede
Eu passei a esperar embaixo do sol
da minha cidade
A dar as mãos aos mendigos
A me aprofundar em nada
E não mais reconhecer
as águas do mar
Eu passei a perder as palavras
E não tentar recuperá-las
Eu passei a desenhar círculos
A deitar no meio deles
A dormir e engatinhar
E regredir
E não ter qualquer pensamento
Eu passei a descansar profundamente
A voltar atrás no que havia dito
A não saber mais como falar
A me fechar novamente em mim mesma
A cair
A me mover lentamente
A não esperar
Nunca mais

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

"Os silêncios me praticam"

Em todos os encontros
Há o que não é dito
O caminho errado
Até o outro
Eu sou você
E sendo você
Tenho medo de perdê-lo
E perder a mim
Me soaram erradas
Todas as explicações
Então, eu parei
De procurá-las
Vendei meus olhos
E contei para todos
Sobre estar em silêncio
Caminhei para dentro
E me perdi


*O título é trecho de um poema de Manoel de Barros

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Ando correndo pelas coisas
Arrumo minha cama ao levantar
Creio ter perdido algo no caminho
Ou ainda não percebi
Que estou exatamente
Onde deveria estar
No mistério atual da vida
Só preciso manter
Os ouvidos atentos
Curar minhas doenças
Fazer a cama
Todas as manhãs

São Paulo, junho/2014
a dança alegre e curta da vida dos insetos
o movimento da minha mão no ar
nunca sair sem dizer eu te amo
eu aprendi nos filmes
que não se pode fazer isso
meu medo secreto do escuro
enquanto ando pela casa
sem qualquer garantia
de que não estou
completamente sozinha
e que o próximo passo
pode não ter casa nem chão
e um terremoto pode varrer tudo
ou um maremoto
ou um furacão
eles podem até levar você
e o que eu faria depois disso
tudo isso me vêm a cabeça
enquanto ando pela casa no escuro à noite
a dança alegre e curta dos insetos
minha dança de não entender
até quando é possível segurar
a felicidade
sem que qualquer tragédia natural
me leve embora
voando ou afogada
e eu acorde com todas as peças a juntar novamente
mal sabem eles que tudo já está em cacos
e é só uma questão de
se mexer devagar
andar do modo certo
e segurar junto ao corpo
tudo que pode cair

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Manter a cama arrumada
Encontrar as palavras certas
Rezar pelo melhor
Não temer o azul do céu
Impressionar-se com os gatos
Desejar fugir
Não fugir
Imaginar o pior
Esperar que você não morra
Na rua
Em um ônibus
Voltando pra casa
Errando
Perdendo-se
Esperar que você não morra nunca
Desejar outro homem
Me cansar
Esperar por outro amor
Entender que o espelho é um abismo
Não olhar para o espelho
Não olhar para os lados
Olhar para você
Pensar em fugir novamente
Ficar
Amarrada à cama
Arrumada
Pronta
Pensar no abismo
E decidir
Não cair
no fim da tarde
sua ausência
preenche a casa
e eu penso que
estar apaixonada
é ter medo da morte
enquanto espero
alguém chegar

*****

"Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.
(Bretch)"
Eu sempre quis escrever, ele me falou. Eu disse que isso não é sobre escrever, não é nem sobre doar meu próprio sangue, isso é sobre entender. Vim de muitas vidas atrás e tenho carregado cinco gerações de silêncio. São meus agora o silêncio da minha avó, do meu avô que eu não cheguei a conhecer, o silêncio das minhas tias e da mãe da mãe da minha mãe. Eu carrego o silêncio da minha mãe e não sei o que farei com ele. Eu sou a primeira de todas as mulheres da minha família que terá o direito de dizer.

E esse direito, o problema inerente deste direito, é o fato de eu nunca ter usado qualquer palavra. Eu sou filha, antes de tudo, de um redemoinho. Não se engane em pensar que os filhos dos redemoinhos são os mais intensos. Não necessariamente. Não no meu caso. Na minha vida, há a roda e tudo que eu tenho feito é girar. O que eu sei de mim é sobre não permanecer e fugir. Fugir do que não dá para fugir, fugir das pessoas e das coisas, fugir dos meus pensamentos e da ausência de palavras, do modo como o mundo se organiza sem minha permissão. O mundo não precisa de mim, mas eu tampouco posso escapar de estar viva. Nem todos os passos para trás do mundo, nem que eu retrocedesse no tempo, nada disso me faria escapar de estar viva. E estar viva é contemplar o silêncio. Da minha mãe, das minhas tias, do avô que eu não conheci e da mãe da mãe da minha mãe.

A literatura não serve pra nada, então, ele concluiu.

Não serve. Afinal, isso não é sobre escrever, é sobre entender. Não que eu consiga. Entender, quero dizer. Eu consigo, talvez, interromper a roda, olhar para fora. Eu consigo olhar pra você com ternura. Olhar pra você sem que tudo esteja borrado. Eu consigo lembrar de quem eu era em outras vidas e compreender o silêncio da minha mãe, das minhas tias e do avô que eu não conheci. Eu consigo esquecer e eu consigo escapar. Eu consigo escapar e cair. Cair fundo, cair rindo, cair de mãos dadas. Eu consigo dar esse abraço e, quem sabe, quem sabe não estar perdida. Não estar perdida sabendo que isso nunca será sobre entender. Mas será, agora e durante todo o resto sobre
De acordo com os deuses
Tenho pairado sobre o nada
Estou em modo de perseguição
Não há existência além
Desse pequeno universo
De acordo com os deuses
Eu devo perguntar
Se é suficientemente
Grande
A minha parte neste mundo
Devo perguntar se
Me interessa
Ter o pedaço que me cabe
Essa pergunta é, na verdade,
Sobre desistência
Estando eu com os dois pés separados
Continuo desistindo
Desistindo ao acordar
Desistindo ao deitar
Isso não é sobre força
É sobre ter entrado
Há muito tempo
Em um redemoinho
E não saber
Se há qualquer interesse
De sair
Ou se
O mundo continua a girar muito rápido
Mesmo quando você põe os pés no chão
É sempre um começo, ele diria
E nós não estamos indo para lugar nenhum