terça-feira, 26 de dezembro de 2017

No dia que eu te deixei
Tomei um avião pra Atlântida
Você disse rápido que me amava
Eu subi aos céus apressada
Não te olhei
Não quis
Não precisava
Também não escrevi qualquer carta
Nunca soube
Falar sua língua
Fui embora decidida
Escalei um prédio
Quis tocar o sol
Ganhei a cidade submersa em mil amigos
Todos eles me queriam
Eu esqueci do abraço de despedida
Rejeitei seu conselho
- Cuidado sempre, nós somos tão frágeis
Nem percebi
Meu corpo que ficava cada vez mais branco
Não tem sol em Atlântida
Nem percebi
Quando as linhas das minhas mãos
Se desvaneceram
O absurdo caótico da memória
Que me transformava em peixe
Sereia sufocada
Animal sem mãe
Lembrei que na verdade
Não foi avião
Eu vim andando
Fugindo
Você me pediu pra ficar
A gente morava dentro do sol
Tudo que eu queria era ir embora
Disse não
Nunca
Sou muito diferente de você
E então
Eu caminhei até aqui
Pra fugir das tuas mãos sobre mim
Do teu olhar colado às minhas costas
Sua entrada abrupta no meu quarto
Seu choro de cão
O cordão enfraquecido que nos conectava
Hoje
Em Atlântida
Eu tento lembrar do cheiro da casa e não consigo
Dos móveis brancos
Inventei um novo nome pra mim
Que falasse sobre minha antiga moradia
Escrevo nas paredes histórias sobre o meu passado
Sobre minha casa
E não sei mais
Se a memória me engana
Não sei mais nada sobre você
Esqueci seu nome
Seu rosto
Esqueci porque sentia raiva
Esqueci até mesmo de perguntar
Aos vizinhos
Se você ainda vivia
Quem sabe quanto tempo
Demorariam para descobrir seu corpo
Sozinho e gordo
Limpando os bibelôs da estante
E sua morte me chegaria por carta
Muito depois
Como a notícia da queda de um velho mundo
Que eu não sabia
Me dava de comer
E eu descobriria
Que a Terra não é minha
Nenhum pedaço dela
Não é meu também o corpo
Pedaço de algodão
De espuma
Fumaça que se dissipa
Que sobe aos céus
Sem marca
Sem consciência
Sem órgãos
- Nada é fácil
Você diria
Eu discordo
Não há nada mais fácil
Que o esquecimento
Eu não sou eu
E nego aqui
Todas as minhas identidades
Nunca mais serei amante
Nunca mais serei filha
Não sou sua irmã, sua prima, sobrinha, neta
Nunca mais me verei no seu corpo velho
Porque eu nunca vou envelhecer
Não vejo a importância anunciada da experiência
Serei pra sempre adolescente
Levantando a bandeira
Da minha estupidez
Nunca entenderei as lições
Jamais sairei do meu quarto
Ou deixarei nossa casa
Vivendo eternamente
Entre o desejo
E o ódio
No caminho entre a casa e o colégio
No meu primeiro amor
Não correspondido
Para sempre morando
Na língua do rapaz
Que me disse não

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Se eu pudesse
Virar do avesso
Te abraçaria
Com todos os órgãos expostos
O fígado cantando:
-  não existe passado
Porque há algo que voa
E algo que nega
Também não existe o engano
De nenhuma forma
Existe apenas
Dedos que caminham
Minha mão tateando seu pau
Eu te disse
Não preciso de companhia
Juntei todas as partes
E caí do abismo
Sem notícia
Sem jornal
Sem controle
Cabeça-luz

domingo, 10 de dezembro de 2017

Meus braços e pernas feitos de areia
Terrivelmente frágil
Incapaz do próximo passo

Meu coração de espuma
Coração de algodão doce
Comestível
Palpável

Meus ossos de vidro colorido
Feitos de areia colorida
De duna

Minha casa é o sol
Eu não sei falar
Terrivelmente frágil
Incapaz do próximo passo

Sem qualquer fortaleza
Eu toda saliva
Sem saber de nada
Querendo tudo
O mundo entre os dentes
Você na minha boca

Sendo qualquer outra coisa
Que não eu
Que não isso
Que não você
Que não imagem
Que não medo
Que não escuro
Que não alegria que pulula e sendo tão feliz e sendo tudo isso e sendo nada e morrendo e mãe toda ação toda mão todo amor

Eu acredito em tudo
Absolutamente tudo

Comeria seus dedos do pé
Sim
Como um feitiço
Para quem sabe
Eu conseguisse
Me olhar no espelho
Dançar leve
Bater o pé
No chão
No peito
Na mão
De Deus
(Eu creio)
Mas não é possível decifrar
Nem achar saída
Não há nenhuma
Além de que
Eu moro num arco-íris
E acordo chorando
Todos os dias
Já fui orfã
Hoje estou grávida
De todos os males do mundo

domingo, 22 de outubro de 2017

Chupo seus dedos
Um a um
Digo que te amo
Com suas unhas arranhando
Meu céu da boca
A outra mão arranhando
Meu útero
Arranhando meus medos
Arranhando meus olhos

-Você não é óbvia
Você não é nada óbvia

Sua voz invade meus ouvidos
Eu eu tenho que gritar

Ninguém cuida de mim, mãe
Ninguém cuida

Vai chegar o dia
Que a minha loucura vai explodir
Na imagem de uma menina
Roendo as unhas dos pés
Na caricatura de uma velha
Desfigurada e corcunda
Num choro incontrolável
Que vai inundar seus ouvidos
E gritar
Dentro da sua cabeça
Na ação
De comer meus próprios dedos
Numa inteireza absoluta
No erro primordial
De ter nascido

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Ando comendo meu próprio estômago
Num ciclo infinito
Comerei também meus filhos
Nascidos da violência
Comerei meu medo
Que é o medo de todas as mulheres da minha família
E andarei sobre brasas
Sobre espinhos
Sobre vidro
Meu medo é a criança
Que irei abortar
Com minhas mãos

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Para você
De quem eu tenho
Que tirar a venda
Você que anda pela rua
Com os olhos tapados
A mão no rosto
Propositalmente
Você a quem eu seguro
Piedosa
Você que não me vê
Que não me preenche de olhar
Você de quem eu guardei
A conta dos olhos
Os testículos
As unhas dos dedos
Piedosa
Juntei tudo
Numa caixa
Cor-de-rosa
De bijuterias
Você criança
Que não ouve
Meu discurso desorganizado
Você que não enxerga
O tamanho da minha
Proximidade

sábado, 8 de julho de 2017

A sua ausência
Ela é
Perfeitamente razoável
A sua ausência
Ela é sensata
Eu diria
A sua ausência
É um piano de calda
Depositado nos meus
Braços
Um plano bem traçado
Um contrato
Registrado em cartório
Três via rubricadas e
Eu sei
Eu assinei
A sua ausência
É uma voz calma
Que me explica
As dificuldades dos dias
As caracteristicas da vida
Adulta
São Paulo
A cidade que eu escolhi
Mas, que você diz
Que eu não conheço
Que eu não sei nada
Que a vida é difícil
Sabe?
A sua ausência me pede
Maturidade
Me pede paciência
Me fala sobre monges, santos
Não comer com as mãos
Não sujar a roupa
Ao comer
Não deixar de
Tomar banho
Mesmo no frio
A sua ausência é um cozimento lento
Muito

Lento
Do meu fígado
Em uma panela
De barro
Eu parada
Em frente ao fogão
Esperando
A sua ausência é uma conjunção astrológica
Uma resposta aos meus erros
(Minha culpa)
Um castigo
Um lembrete
De que não existe
Pai
Uma crueldade
Uma brincadeira
Uma displicência
Inocente
Que só é perdoável
Em pessoas
Muito ocupadas
(A vida é difícil, sabe?)
A sua ausência
Ela é imensa
Maior
Até mesmo
Que uma lembrança
Até mesmo
Que uma imagem
Até mesmo que a sua
Presença
A sua ausência é
Ainda
Veneno
Um alimento da minha loucura
Do meu exagero
Da minha fantasia mais
Descabida
De uma dança
Sobre brasas
Sobre escombros
Sob um dilúvio
Da minha carência
Profunda
Rasgada
Aberta
Burra
A sua ausência
É o oposto exato
Do meu grito
De uma vingança
Desmedida
Abrupta
Absolutamente imatura
A sua ausência
É a lei que eu não obedeço
É o que o meu corpo
Nega
E ele
Está
Aqui

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Eu monto você paulatinamente
Faço uma dança
Para um boneco inerte
Que ganha vida
Dentro do meu quarto
Gasto assim minha energia
Perco fácil também
E respiro seu hálito artificial
Toda catuaba
Que eu bebo
Num dia de Carnaval
Em São Paulo
Não me faz mais corajosa
Tenho desenvolvido
Esta dança cega
Que não respeita limites
Que comete todos os enganos
A ponto de achar
Que você
Até mesmo existe
Danço com uma venda
Nos olhos
Desajeitadamente
Cruelmente
Sem fim
Danço com um vestido rasgado
Na água que a enchente traz
No meu quarto invadido
Com meus pés machucados
De bailarina
Eu danço cegamente para você
Que nem existe
Danço nua
As costas tortas
Eu sempre fui torta
Absurdamente torta
Pernas que se partem
Asas molhadas
E eu soltando penas
Tenho estado aqui
E falado sobre mim
E meu pequeno coração
De pássaro
Minha cara de pomba
E todos os medos
Que eu escondo
Até tive um sonho
Sobre ser pega
Por um assassinato
Estou transbordando das
Penas que me nascem
Nas costas
Tenho vivido a mutação
Com coragem
Com o rosto escondido
Em uma máscara de pássaro
Como se meus braços enormes
Pudessem bater asas
Eu que
Mal consigo
Manter a cama arrumada
O pensamento aprumado
E começar e terminar o dia
Eu te sigo com o olhar
O seu passo
Bêbado
Poderia abarcar
Seu corpo
Num abraço
Uma mão que acompanha
A coluna
Vértebra por vértebra
A paixão me nasce pela
Boca
E eu afirmo
Mentirosa
Não quero nada
Com seus dedos
Seu fígado
Seus cabelos
Um copo de vinho
Compartilhado
E como você poderia
Entender o que eu falo
Com a boca
Colada na minha?
Palavras são só fugas, pai
E eu não sei de nada
Como você sempre
Disse

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Para ser
Poeta
É preciso
Aprender
A comer
O tempo

quarta-feira, 21 de junho de 2017

A manhã nasce da minha boca
No sonho quase acordado
Quase real
Em que eu sou um cachorro
Dando voltas infinitas
Atrás do próprio rabo
Outro dia eu sonhei
Que era um cão
Morrendo sozinho
Atropelado
No asfalto quente
E acho que essa é a imagem
Mais triste que existe
No espelho eu tento
Não ser tão sombria
Não ser tão sozinha
Mas, eu tenho mãos
E não sei o que fazer com elas
Além de
Segurar meu coração
Em frente a pia
E ele sempre me escapa
Escorrega
Enfim
O tempo é uma bomba
Dentro da minha cabeça
E eu não sei falar sobre nada

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Tem você
No meu pensamento seco
Ao acordar
No momento exato
Em que abro os olhos
E percebo que desaprendi a viver
E isso acontece toda manhã
Todos os dias
Quando o dia nasce
Junto com meus
Flertes suicídas
Agarrada na cama
Pensando em morrer
Só um pouco
Mas, aí tem você
E não é que isso me salve nem nada
Ou que seja diferente
De todos os outros homens
Nos quais eu acordei pensando
O que me soa às vezes
Um pouco deprimente
Mas, nada disso importa agora
Porque tem você
Na hora que bate o relógio
Neste dia e ano exatos
Nas histórias que eu coleciono
Mas, não te contei
E é algo que me ilumina
E me sufoca ao mesmo tempo
Pensar que eu tenho subido esta montanha
E isso é tão bonito
Mas, agora eu só queria
Morder o seu ombro
Devagar
E eu gosto de pensar
Que nas minhas botas de escalada
Picareta na mão
Tenho chegado até os picos
Os corações mais altos
Acompanhada da sua imagem
Nem sempre clara
(às vezes, eu não lembro da sua boca)
Mas, tem você
E isso é indecifrável
É como ninar uma bomba
E comer o próprio coração
De garfo e faca

terça-feira, 30 de maio de 2017

Fracasso diariamente
Na minha luta com o tempo
Fracasso no caminho
Entre o quarto e o banheiro
Minha romaria de auto-perdão
Fracasso em tentar achar alguma coisa
Qualquer coisa
Que eu diga verdadeira
Fracasso em não ser mais que uma criança
Fracasso em tentar mostrar
O lado brilhante da lua
Uma lua do tamanho dos meus ovários
Um filho ao contrário
Me saindo pela boca
Fracasso em não ser mais
Que uma adolescente melacólica
De camiseta preta e pernas finas
Fracasso em não ter nada para dizer
Em ser vazia flutuando no abismo
Fracasso em manter a cama arrumada
E a cabeça no lugar
Fracasso em comer o tempo
De garfo e faca
Fracasso na estranheza
Nas doenças que me mantêm na cama
Em organizar os documentos
Em não ser tão óbvia
Neste poema
Eu ando de mãos dadas com o meu fracasso
E ando chegando em algum lugar
Algum beco escuro
Algum espaço neutro
Sou inteira um erro
Braços, cabeça
Unhas pintadas de vermelho
Sou inteira fracasso
À imagem torta do próprio Criador
Que fracassou ao cuspir o mundo
Sou um erro original
O espaço de um palmo
Entre dois muros

segunda-feira, 22 de maio de 2017

comer-o-tempo
o perdão
dilata
o tempo

(e eu acredito em milagres)

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Eu não sei nada sobre o amor
Além dos poemas que li
Das declarações dos amigos
Sobre como deveria ser
Sobre como eles amam
Tanto e com tanta intensidade
Como se o amor preenchesse
Cada canto escuro de suas vidas
Cada beco
Do inconsciente
Cada comportamento sombrio
Cada obsessão sem sentido
Mas eu
Eu não sei nada sobre o amor
Além dos planos de fuga
Que traço
Enquanto me agarro
Na barra da sua calça
Abraçando suas pernas
O rosto na pélvis
E penso
Em como seria pular as janelas
Dos banheiros
Dos restaurantes que frequentamos
Em como direi
Firmemente
Que não é isso
Não é nada disso
Não era amor
Não assim do jeito que dizem
De verdade
Mas, eu nem acho que eu seja mesmo
Capaz deste amor
Do jeito que eu venho
Me escondendo até então
Fingindo grandes paixões
E arrebatamentos
Corações em chamas
Sozinha no escuro pensando em cair fora
Em escapar pela estrada
Mais próxima
Pra aninhar mais uma vez
A ideia de ser uma outsider
Porque o que eu gosto mesmo
É da ideia de ser uma outsider
Uma praticante do amor livre
Quando na verdade
Eu só quero ser importante
E ter a história mais engraçada
Mais interessante
Para contar

(março/2017)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Minha mãe é uma árvore de raízes-varizes
Caminha nas minhas veias esta insanidade
Minha mãe é um mar que me afoga
Passei a vida inteira tentando respirar
A lembrança do que me mantem no mundo
Uma mão me segurando
Os erros repetidos outra e outra vez
O poder de uma oração
Ancestral
Uma criança
Perdida no Alecrim
No sol de meio dia
Em Natal