quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Eu sempre quis escrever, ele me falou. Eu disse que isso não é sobre escrever, não é nem sobre doar meu próprio sangue, isso é sobre entender. Vim de muitas vidas atrás e tenho carregado cinco gerações de silêncio. São meus agora o silêncio da minha avó, do meu avô que eu não cheguei a conhecer, o silêncio das minhas tias e da mãe da mãe da minha mãe. Eu carrego o silêncio da minha mãe e não sei o que farei com ele. Eu sou a primeira de todas as mulheres da minha família que terá o direito de dizer.

E esse direito, o problema inerente deste direito, é o fato de eu nunca ter usado qualquer palavra. Eu sou filha, antes de tudo, de um redemoinho. Não se engane em pensar que os filhos dos redemoinhos são os mais intensos. Não necessariamente. Não no meu caso. Na minha vida, há a roda e tudo que eu tenho feito é girar. O que eu sei de mim é sobre não permanecer e fugir. Fugir do que não dá para fugir, fugir das pessoas e das coisas, fugir dos meus pensamentos e da ausência de palavras, do modo como o mundo se organiza sem minha permissão. O mundo não precisa de mim, mas eu tampouco posso escapar de estar viva. Nem todos os passos para trás do mundo, nem que eu retrocedesse no tempo, nada disso me faria escapar de estar viva. E estar viva é contemplar o silêncio. Da minha mãe, das minhas tias, do avô que eu não conheci e da mãe da mãe da minha mãe.

A literatura não serve pra nada, então, ele concluiu.

Não serve. Afinal, isso não é sobre escrever, é sobre entender. Não que eu consiga. Entender, quero dizer. Eu consigo, talvez, interromper a roda, olhar para fora. Eu consigo olhar pra você com ternura. Olhar pra você sem que tudo esteja borrado. Eu consigo lembrar de quem eu era em outras vidas e compreender o silêncio da minha mãe, das minhas tias e do avô que eu não conheci. Eu consigo esquecer e eu consigo escapar. Eu consigo escapar e cair. Cair fundo, cair rindo, cair de mãos dadas. Eu consigo dar esse abraço e, quem sabe, quem sabe não estar perdida. Não estar perdida sabendo que isso nunca será sobre entender. Mas será, agora e durante todo o resto sobre

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